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atemporal & outros poemas

por Eduard Traste
eduard-traste

atemporal

peço perdão toda vez que fecho os olhos
e consigo me desfazer da realidade
quando o ódio adormece
e os pássaros se fundem em metal pesado
e tinta amarela
quando a cantoria habitual
torna-se um ruído cortante
impossível de ser digerido
e meu pai incomodado desce da cruz
para discutirmos sobre aquele aluguel
que atrasei quando tinha
nove anos
de absolutamente,
nada.

uma verdade

tudo em mim soa assim
desagradável, sim
mas vou mentir
pra mim? seguir assim, eu
por mim desejo que meu fim
seja assim, nesta linha verdadeira
eu por mim e minha vida,
inteira.

vivas criaturas

no ônibus,
você escuta a conversa
e acha aceitável.
dois seres autênticos
um assunto
plausível
um ponto de vista
interessante
e então você se vira
e confirma: os pés ainda
não alcançam
ao chão.

receita de bomba caseira

deixe de trepar
deixe de se masturbar
deixe de fumar
deixe de beber
deixe de reclamar
alimente-se mal /
mal se alimente
– tanto faz? tente!
durma pouco
e tome muito café,
ou cuidado.

repetir até
explodir.

de um inferno ao outro

antes eu sempre sabia
quando o capiroto me espreitava.
agora vivo na dúvida: é ele
ou a debochada da minha vizinha
outra vez
de tamancos
novos?

no frescor da doença

tornou-se
retardado
mentol.

na prece diária

encontrou na Igreja
o Papa de joelhos
abençoando Jesus,

Cristo!

poema

com a mente distante
ansiando ouvir o som de outros lugares
desejando respirar outros ares
descobrir outras almas,
mas não querendo ficar por lá
por muito mais tempo, muito menos
aqui.. por hoje apenas
respiro contigo
junto de ti,
poema.

da natureza

recorto um jornal
afio uma faca
amarro um cadarço
pinto uma parede

e então percebo
que todos poemas
de alguma maneira
deveriam soar simples

assim.

entre livros e litros

sirvo-me dos livros
como sirvo-me
dos litros, assim sendo
tenho alguns bons
amigos.

– pra não citar
Voltaire


Eduard Traste, coautor do livro estrAbismo (Editora Viseu, 2018), descobriu que não tinha salvação. Desde então vem destilando os necessários pingos de vida para seguir em frente, de seus escritos e outros tragos. Escreve no projeto www.estrAbismo.net, e tem materiais publicados em periódicos diversos, entre estes: Alagunas, Amaité Poesias & Cia, Escambau, Gazeta de Poesia Inédita, LiteraLivre, Literatura & Fechadura, mallarmargens, Pantagruelista, Philos, Ruido Manifesto, Subversa, Via Lateral, Jornal Plástico Bolha e Jornal RelevO.

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